Vozes de anúncio e denúncia ecoaram no painel sobre bem viver e conflitos socioambientais

A sala lotada transbordava o calor das lutas e a ânsia de aplacar o implacável: dores coletivas e individuais que só aumentam e que pedem para serem externadas, acolhidas, transformadas em ação. O painel “Conflitos socioambientais e a perspectiva do Bem Viver”, na tarde desta quarta-feira, no Fórum Social Mundial, foi não apenas um encontro de dores, mas da emergência da afirmação e reverberação das formas de bem viver que povos, comunidades e grupos sociais constroem em seu cotidiano.
A painelista Carolina dos Anjos, professora da pós-graduação em Meio Ambiente da Universidade Federal do Paraná, reconheceu seu lugar de fala pela academia como um espaço onde a mentalidade colonizadora ainda se firma. Defendeu que é preciso garantir que o povo ocupe e faça parte da construção do conhecimento acadêmico. Para a construção do bem viver, antecipa que “não haverá tranquilidade” enquanto a sociedade não sanar os preconceitos sociais estruturantes do capitalismo. Rubem Siqueira, cientista social e agente da CPT, por sua vez, compartilhou o cenário dos conflitos em números, através da pesquisa lançada pela Comissão em 2017: “Indicadores dos conflitos no Brasil – 1985 a 2016”. Mais de 32 mil conflitos envolvendo mais de 22 milhões de pessoas. Os números de atingidas e atingidos foram ganhando nome, território, raça, etnia e classe social nas falas testemunhos que compuseram o painel. Também foram identificados por quem aproveitou a oportunidade para ecoar as vozes de companheiras e companheiros vitimados em distintas regiões do país.
Lutas e causas
Cacique Babau, do povo Tupinambá, alerta para a burocratização e os mecanismos de domínio do Estado ao contar sobre as exigências do censo agropecuário do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) para permitir que possam comercializar alimentos. A tentativa era de enquadramento da produção como agricultura familiar. “Aqui é agricultura coletiva. Nós somos indígenas e produzimos para todos”, deram o recado.
As lágrimas de Clóvis Amorim – pescador e integrante do Movimento Nacional de Pescadoras/es do Maranhão, embargam sua voz no testemunho sobre a história de conflito de sua comunidade Cajueiro, no litoral de São Luís. Povo tradicional com mais de 200 anos, se vê diante da força política e econômica da empresa WTorres que quer retirar os moradores e construir portos para o escoar a produção agrícola do cerrado maranhense com o projeto MATOPIBA. Clóvis pede apoio e desabafa: “A gente não sabe até quando vão resistir”.
O testemunho de Maria Elisabete, da Comunidade Trindade e do jornal Aurora da Rua, é um verdadeiro anúncio de como os territórios urbanos também vivenciam a força transformadora de práticas de bem viver. Sua história de migração de Pernambuco para a Bahia em condições difíceis fez com que vivesse em situação de rua por um longo período. “Quem é que confia de receber e acolher uma menina da rua, dependente química? É difícil confiar, né? Mas eu estou aqui porque confiaram em mim e me acolheram”, arrebata Elisabete, direcionando o olhar e o agradecimento aos companheiros do projeto Comunidade Trindade que ouviam sua fala.
Também deram testemunhos Leo Márcio, do Movimento de Pequenos Agricultores/as da Bahia (MPA); Magno Luiz, da coordenação do Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM) e da CPT; Xabier Galarza, do Movimento dos Atingidos de Mariana; e Renato Cunha, do Grupo Ambiental da Bahia (Gamba).
Ações coletivas
Foi definido que do painel será produzida uma nota de apoio às comunidades pesqueiras de Canabrava, em Buritizeiro (MG), e de Cajueiro, em São Luís (MA), e em repúdio às investidas violentas e ilegais que sofrem, respectivamente, de fazendeiros e da empresa WTorres S.A. A denúncia do caso de Canabrava também foi compartilhada durante o painel. Fazendeiros têm colocado a vida das famílias em risco ao orquestrar a destruição de casas, ao violentar física e emocionalmente os/as pescadores/as, além de fazer pressão ao Estado para garantir a expulsão da comunidade e a posse da terra.
É preciso denunciar e anunciar como Djalma, quilombola da Ilha da Maré, que canta o som da resistência tão própria de quem ali lotava a sala. “O progresso é acabar com as comunidades tradicionais. Progresso mesmo é…” a agroecologia, a economia solidária, as espiritualidades, as ancestralidades, as culturas, as identidades, o amor e o bem comum.
O painel foi uma atividade autogestionada proposta pela Articulação Nacional das Pastorais do Campo, Conselho Pastoral de Pescadoras e Pescadores (CPP), Conselho Indigenista Missionário (CIMI), Comissão Pastoral da Terra (CPT) e Cáritas Brasileira no eixo de Meio Ambiente desta edição do FSM, em Salvador.
Por Raquel Dantas | Rede de Comunicadores/as da Cáritas Brasileira | Regional Ceará
Foto: Alan Lustosa | Rede de Comunicadores/as da Cáritas Brasileira | Regional NE3